A infeliz banalização da cautelar fiscal

Cada vez mais comum no ambiente do contencioso tributário, as medidas constritivas de indisponibilidade ou monitoramento patrimonial foram legitimamente pensadas para garantir o pagamento de eventual e futuro débito fiscal. A mais importante delas talvez seja a cautelar fiscal, prevista na Lei nº 8.397 de 1992, que traz a descrição de nove pressupostos autorizativos para sua instauração e pode ser utilizada pelas Fazendas Públicas dos três níveis da federação.  A análise dos requisitos da cautelar revela uma preocupação do legislador com a insolvência do devedor, contribuinte ou responsável, no curso da cobrança do crédito tributário, sendo esta a razão pela qual o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não condiciona a instauração da medida à constituição definitiva do crédito tributário. Não é porque um contribuinte não pagou tributo mediante uma fraude que ele está sujeito a uma cautelar fiscal.  Nestas hipóteses – de suspensão de exigibilidade do débito por processo administrativo em curso ou parcelamento, por exemplo, não basta que a Fazenda se utilize do artigo 2º, inciso VI da Lei nº 8.397 para alegar que o devedor possui débitos “que somados ultrapassem trinta por cento do seu patrimônio conhecido”.  Esta circunstância empresta à cautelar fiscal um caráter de adicional excepcionalidade e só é possível “quando o devedor busca indevidamente a alienação de seus bens como forma de esvaziar seu patrimônio que poderia responder pela dívida”, para usar os termos do STJ no AgRg em REsp 1443285/RS. Ou ainda, quando o sujeito passivo pratica outros atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédito.  Portanto, é dever do órgão fazendário atribuir, com provas robustas, condutas demonstrativas do esvaziamento patrimonial do sujeito passivo, o que significa que o Fisco não pode remontar a fatos ocorridos na configuração do fato gerador do tributo para sustentar uma cautelar fiscal, distorção que vem sendo cada vez mais comum nas petições iniciais destas demandas.  É que, muitas vezes, a Fazenda só repete acusações de atos que teriam ocorridos quando do surgimento da obrigação tributária, isto é, condutas voltadas à não realização do fato gerador, sem elencar qualquer ato posterior à constituição do crédito tributário (após a lavratura do auto de infração) que afetem a eventual e futura satisfação do crédito tributário.  Esta diferenciação é importante porque a lei regente da medida cautelar fiscal – claramente de natureza processual, pois regula um tipo de ação específica – traz requisitos processuais para a sua propositura (condições da ação), de forma que não é porque um contribuinte ou responsável não pagou tributo mediante uma fraude que ele está sujeito a uma cautelar fiscal.  A “fraude” pressuposta à cautelar fiscal é o ato tendente à dilapidação patrimonial, que vise impedir o pagamento do débito constituído e frustrar eventual execução fiscal ou cobrança administrativa por parte da Fazenda Nacional. Caso contrário, todos os autos de infração lançados com multa de 150%, com base na acusação de fraude, conluio ou sonegação, repercutiriam na instauração de medidas cautelares fiscais – o que é impensável.  E mais: a grande injustiça, ilegalidade e inconstitucionalidade deste raciocínio está justamente no fato de que a medida cautelar fiscal não se presta a discutir ou investigar a dívida de forma detalhada, por não ser este o objeto da ação. Logo, o deferimento da medida com base neste argumento distorce o objeto da lide e inviabiliza uma defesa séria do sujeito passivo, que também não pode invocar os argumentos lançados na via administrativa nesta seara judicial.  Portanto, o Judiciário precisa estar atento a este tipo de argumentação fiscal, especialmente porque a jurisprudência do STJ é clara no sentido de que, se ainda está suspenso o débito, deve restar caracterizado um ato que inviabilize o pagamento do débito eventualmente mantido ao final da esfera administrativa (ou o parcelamento). Não cabe trazer o mérito da autuação para a esfera da cautelar fiscal, sob pena de completa banalização de um instituto extremamente agressivo e prejudicial à livre iniciativa dos sujeitos passivos.

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