Informativo Trabalhista Considerações sobre os artigos 503 e 486 da CLT 30 de março

Muito se propaga na mídia sobre as possibilidades de suspensão do contrato de trabalho, considerando a grande repercussão da publicação da Medida Provisória 927/2020, posteriormente modificada pela MP 928/2020, bem como, as possibilidades de aplicação da legislação já vigente (artigos 486 e 503, da CLT), se especulando sobre a aplicação destas medidas legais, inclusive com manifestações favoráveis do próprio Presidente da República sobre o tema, desta forma, temos que o objetivo deste informativo é aclarar de forma objetiva as possibilidades reais de aplicação da referida legislação.

 

De fato, a MP 927/2020 não trouxe nenhuma menção à possibilidade de redução de salários, com ou sem a redução da jornada de trabalho, contudo, o debate sobre as possibilidades existentes de redução face à pandemia e seus reflexos econômicos que assolam o País tem sido recorrente.

 

Pois bem, para que não pairem dúvidas, abordaremos o tema “REDUÇÃO DOS SALÁRIOS” sobre três prismas distintos, considerando a legislação vigente que rege a matéria, sendo primeiramente analisado o mais ventilado, qual seja, o art. 503 da CLT, que tem gerado uma enorme dúvida no segmento patronal, posteriormente a Lei 4.923/65 e finalmente a Lei 13.467/2017.

 

Sobre o art. 503 da CLT, temos que o referido texto legal é claro e objetivo e, dentro de uma análise sistemática, está capitulado no item “Da Força Maior”. Em uma leitura rápida, é possível concluir que, passando por estado de força maior (o que é indiscutível no momento), seria possível sua aplicação com a redução de salários em até 25%, respeitado o piso Nacional. Infelizmente, não é o que reza nossa atual jurisprudência, sendo também pacifico entre doutrinadores que referida norma não foi recepcionada pela carta magna, portanto, sua aplicação poderia ser objeto de discussão judicial e o artigo utilizado poderia, pelo meio difuso, ser declarado inconstitucional.

 

No tocante à Lei 4.923/65, temos que a mesma versa sobre a possibilidade de redução salarial e da jornada de trabalho em até 25%, pelo prazo de três meses, prorrogável pelo mesmo período, contudo, tal condição só seria válida se realizada através de acordo coletivo, cabendo ainda ressaltar que, para utilização deste benefício, a empresa teria de cumprir um critério especifico que é comprovar seu estado econômico de necessidade.

 

Vamos à análise da Lei 13.467/2017, popularmente conhecida como “Lei da Reforma Trabalhista”. Temos que a mencionada medida adicionou à CLT o art. 611-A, que fortaleceu de maneira substancial a norma coletiva, prevendo expressamente em seu § 3º a possibilidade de redução de salários ou de jornada, tendo como única exigência para tal avença a manutenção dos empregos enquanto durar a redução. A doutrina especializada entende que a promulgação desta lei, ainda que de forma tácita, descontinuou a aplicação de quaisquer outros dispositivos sobre a matéria, pois, da forma que está expressa, atende os requisitos constitucionais e não deixa nenhuma dúvida sobre a necessidade de negociação sindical para versar sobre o tema. Desta forma, entendemos que qualquer medida que tenha a finalidade de reduzir salários deve ser pactuada com base na legislação aqui mencionada.

 

Superada a questão salarial, vamos ao assunto que tem gerado muitas discussões e dúvidas: a aplicação do art. 486 da CLT, o “ Fato do Príncipe”!!

 

Em uma declaração à imprensa (citar o veículo de comunicação, data, fonte), o Presidente da República mandou um “recado” aos Governadores e Prefeitos de todo País:

 

“Tem um artigo na CLT que diz que todo empresário, comerciante, etc, que for obrigado a fechar seu estabelecimento por decisão do respectivo chefe do Executivo, os encargos trabalhistas, quem paga é o governador e o prefeito, tá ok?”

 

Pois bem, o artigo que o Presidente se referiu foi o 486 da CLT. De fato, tal norma menciona a possibilidade de o ente público ser responsabilizado pelo pagamento de uma indenização ao trabalhador que perder seu emprego por encerramento das atividades da empresa por determinação do Poder Público.

 

E como se aplicaria na prática tal disposição? A pandemia de corona vírus é suficiente para invocar tal artigo? Para responder tais questões, primeiro vamos analisar como o “Fato do Príncipe” ocorre e se existe atualmente a possibilidade de aplicação do artigo legal.

 

Conforme conceitua a melhor doutrina, o “factum principis”, ocorre quando o Poder Público, com base no interesse primário da sociedade, por exemplo, constrói uma linha de metrô, um viaduto, uma rodovia, etc., promovendo a ruptura das atividades econômicas daquela região afetada, tratando-se de fatos alheios, sem qualquer concorrência do empregador, que venha provocar o colapso total de suas atividades.

 

Agora que entendemos do que se trata o “factum principis”, vamos verificar as possibilidades de sua aplicação neste momento de crise. Pois bem, inicialmente, para sua aplicação é necessário que exista por parte do Poder Público uma interferência real nas atividades do empresário, ou seja, não é suficiente apenas a fundamentação na pandemia, então a pergunta é, já houve interferência do Estado nas atividades do particular nesse período?

 

Sim, face à vastidão do tema, vamos focar na legislação estadual e municipal, cabendo ressaltar que, de fato, apenas nessas esferas foram publicadas medidas passíveis de discussão sobre o tema.

 

Pois bem, no âmbito Municipal, foi publicado o Decreto nº 59.298/2020, (Decreto do Município de São Paulo), que suspende o atendimento presencial ao público em estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços, no âmbito Estadual, em idêntico sentido, foi publicado o Decreto 64.881/2020, (Decreto do Estado de São Paulo).

 

Simplificando, as duas medidas impedem o funcionamento integral destes segmentos comerciais, então a dúvida sobre o tema é: tais medidas são suficientes para invocar a aplicação do art. 486 da CLT? Este é o ponto nodal da questão, então vejamos:

 

Inicialmente cabe ressaltar que, com base na atual jurisprudência laboral, é possível verificar que o êxito em causas com essa fundamentação é muito difícil, pois geralmente o judiciário trabalhista está inclinado a condenar as empresas com base no art. 2º da CLT, que afirma ser do empregador o risco do negócio.

 

Outro ponto que deve ser considerado é o próprio texto da lei, certo de que o pagamento aqui discutido é de uma indenização pelo fim do pacto laboral, ocasionado pelo encerramento das atividades da empresa, ou seja, não é crível imputar ao ente público a responsabilidade pelo pagamento de verbas rotineiras do decorrer do pacto laboral, como por exemplo, salários ou adicional de horas extras.

 

Importante ainda ressaltar que as medidas legais acima mencionadas suspenderam o atendimento presencial ao público e não determinou o encerramento das atividades, inclusive, houve sugestão dos entes envolvidos para que as atividades destas empresas continuassem através de atendimento online e delivery.

 

Por outro lado, é crível ressaltar que aproximadamente 95% dos empregadores do País são formados por médios e pequenos empresários, e estes estão sofrendo perdas catastróficas nesse período de pandemia, sendo certo que as medidas estaduais e municipais acima mencionadas corroboram para o colapso financeiro desses pequenos empresários dos segmentos afetados.

 

Desta forma, ainda que a legislação não tenha determinado a suspensão total ou encerramento das atividades, é crível socorrer-se do art. 486 da CLT, na busca da responsabilização do ente público no caso de encerramento do pacto laboral no período de vigência dos decretos mencionados.

 

Faz-se imperioso ressaltar ainda que a aplicação da medida ocorreria por analogia, havendo risco de não reconhecimento do direito do empregador em sede judicial.

 

Considerando o risco acima mencionado, temos que existem outras opções que melhor sustentam a tão almejada segurança jurídica, como por exemplo, a realização de um acordo coletivo, em que pese num primeiro parecer muito difícil o trato com as instituições sindicais, considerando a fase crítica que passamos, é possível alinhar um acordo que tenha a finalidade de reduzir de forma substancial os custos da empresa e, em contrapartida, que garanta a manutenção dos postos de trabalho.

 

Por fim, temos que é de extrema importância agir de forma rápida neste momento com a finalidade de manter a sobrevivência das pequenas e médias empresas, contudo, é importante analisar os riscos de cada medida com cautela para que no futuro as medidas de agora não causem um reflexo financeiro ainda mais devastador.

 

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