Atualmente, uma das práticas mais comuns e mais controversas em matéria tributária é a obtenção de renda de direito de imagem por meio de empresa ou separada da remuneração salarial. Normalmente, é adotada por atletas, artistas e personalidades televisivas e das redes sociais, algumas delas defendendo-se em processos milionários de cobrança de tributos pelo Fisco. Mas esse não é um problema tributário tipicamente brasileiro. Em outras partes do mundo, também se discute a legalidade de empresa explorar direito de imagem; pessoas notórias também são alvo de fiscalização; lei e jurisprudência, ora restringem, ora ampliam a prática.
As autoridades veem com desconfiança mecanismo que possa reduzir a tributação de direito de imagem. Afinal, pessoas jurídicas pagam menos do que pessoas físicas. A desconfiança aumenta mais quando o direito de imagem é pago por empregador porque seria disfarce para evitar a pesada carga fiscal a reboque do salário.
Entretanto, a constituição de empresa e, em muitos casos, a separação entre direito de imagem e salário, podem ser importantes para estruturar e profissionalizar a sua exploração comercial e nada tem de ilegal. É ilógico partir para a generalização tal como se tudo fosse salário porque é visível quando há efetiva exploração da imagem de uma personalidade e que nada tem a ver com simples recompensa laboral. A alta carga tributária sobre a relação laboral pode afastar indivíduos com esse perfil, levando-os a atuar em outros países. Os exemplos a seguir ilustram como pode haver diferentes soluções para o mesmo problema.
Em 2000, o tribunal administrativo do Reino Unido (Special Commissioner) julgou entidade desportiva e conclui que é permissível não apenas a separação entre direito de imagem e salário, mas também a utilização de empresa. Em 2017, relatório do parlamento mostra preocupação com abusos e a Suprema Corte julga o caso Rangers, que estabelece novo paradigma: o que vale é a essência do que está sendo contratado e pago (realistic approach).
A receita britânica (Her Majesty Revenue & Costums – HMRC) realiza ações baseada no caso Rangers. O regulamento do IR passa a tratar “cada caso, um caso” (each case on its merits). A partir de 2018, aumento exponencial de investigações contra atletas, clubes e agentes.
Em 2009, a Suprema Corte da Austrália julga o caso Spriggs e conclui pela separação entre direito de imagem e salário, inclusive a constituição de entidade legal. Em 2017, a autoridade australiana (Australian Taxation Office – ATO), inconformada, estabelece regra de “porto seguro”: se 10% da remuneração total corresponde a direito de imagem, o indivíduo está no porto seguro; acima de 10%, investigação sobre utilização efetiva do direito de imagem e proporcionalidade entre a utilização e a remuneração. Em 2018, ministério da fazenda torna público o seu plano de proibir completamente direito de imagem por meio de entidade legal.
Para o Fisco, há uma situação de ownership entre os indivíduos e seu próprio direito de imagem que o torna intransferível para uma entidade legal: se esta tornar-se insolvente, não há como credores adjudicarem o direito de imagem, que é inalienável e estará sempre na esfera patrimonial do indivíduo. Em 2019, a radicalização culmina com a nova proposta de lei orçamentária, segundo a qual o direito de imagem será tributado da mesma forma que o salário.
Desde 1996, lei na Espanha combate “triangulação” com pessoa jurídica: se (i) o indivíduo cede direito de imagem a outra pessoa ou entidade (intermediário); (ii) possui relação laboral com outra pessoa ou entidade (empregador); e (iii) este último contrata o intermediário e lhe paga pelo direito de imagem, esta remuneração será tributada tal qual rendimento do trabalho (exceto um “porto seguro” de 15% do total).
Para evitar a aplicação dessa regra, muitos indivíduos, especialmente atletas, constituíram empresas fora da Espanha para negociar e receber por direito de imagem sem que fosse aplicada a jurisdição espanhola. Cristiano Ronaldo, por exemplo, explorava seu direito de imagem por meio de empresas nas Ilhas Virgens Britânicas (BVI) e na Irlanda, mas, assim como vários outros atletas, foi alvo de autuação fiscal milionária sob o argumento de que a renda é de fato gerada na Espanha.
Já na França, surge movimento oposto: o código do trabalho francês prevê que artistas e modelos recebam direito de imagem e salário separadamente. Pela regra francesa, o salário decorre de todas as atividades em que a pessoa participa presencialmente e, quando não há (voz, nome, imagem etc), a remuneração se dá por direito de imagem. Em 2017, o governo francês publica relatório sobre a baixa atratividade do futebol francês. No mesmo ano, código de esportes inova para que atletas recebam DI do empregador a par do salário.
Porém, no intuito de coibir abusos, a lei cria também condições, “sob pena de nulidade”: para o atleta, a remuneração de direito de imagem também não permite “presença física” e o contrato deve conter “escopo, duração, propósito, contexto, forma de exploração, territorialidade” e demonstrar de forma objetiva o “método de cálculo”.
Com isso, há quatro soluções: (i) a radical, que equipara o direito de imagem a salário; (ii) a radical com “porto seguro”, acima do que não se admitirá tratamento diferenciado do salário; (iii) a subjetiva: análise caso a caso; e, por fim, (iv) o direito de imagem apartado do salário com regras claras sobre forma e conteúdo. Essa última solução é a que poderia ser objeto de inovação legislativa no Brasil porque tipifica o contrato de direito de imagem e, com isso, garante mais segurança jurídica aos contratantes e à própria Receita Federal.