O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) excluiu de autuação fiscal uma consultoria e uma empresa de investimentos que assessoraram cliente em um planejamento tributário. A decisão é importante porque diversos contribuintes, como bancos e administradoras de fundos, têm sido chamados pela Receita Federal para pagar débitos de terceiros, como responsáveis solidários.
A decisão é a primeira que se tem notícia desde as mudanças na composição do Carf e poderá ser utilizada como precedente para casos semelhantes. Segundo tributaristas, a Receita Federal tem adotado a prática de incluir, além das consultorias tributárias, advogados e contadores como responsáveis solidários em autuações. Isso tem ocorrido também em autos de infração decorrentes de grandes operações, como a Lava-Jato.
De acordo com a decisão da 2ª Turma da 4ª Câmara da 2ª Seção, “o fato de as empresas de assessoria serem executoras do planejamento não significa que elas tenham interesse comum na situação que constitua fato gerador da obrigação principal, muito menos que a obrigação decorra de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”.
O caso envolve a empresa de call center Atende Bem. Ela foi autuada, de acordo com o processo, por incluir valores de títulos da dívida pública brasileira no campo relativo à compensação em suas Guias de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social (GFIPs) para reduzir suas contribuições previdenciárias.
A companhia alegou, no processo, que discute a extinção do crédito tributário na Justiça. A ação ainda não transitou em julgado (cabe recurso). Segundo o processo, empresa teria iniciado as compensações em janeiro de 2010 e entrado com a ação judicial de extinção do crédito tributário em setembro de 2010.
Em razão disso, foi autuada pela Receita Federal. A fiscalização incluiu como responsáveis solidários os sócios e representante legal da companhia, além das empresas de assessoria e consultoria e de investimentos que executaram o planejamento tributário, por entender que eles participaram e tiraram proveito do negócio.
Ao analisar o caso, porém, os conselheiros foram unânimes ao entender pela exclusão da responsabilidade solidária das empresas. Segundo o relator, conselheiro João Victor Ribeiro Aldinucci, elas não tinham interesse comum na situação que consiste no fato gerador.
Sobre o motivo da autuação, o conselheiro ressaltou que a existência de processo judicial que trata do assunto da compensação impediria a apreciação pelo órgão administrativo, até porque deve prevalecer o que foi decidido judicialmente. O entendimento do relator foi seguido pelos demais conselheiros.
A decisão do Carf confirma no âmbito administrativo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de acordo com o advogado Maurício Faro, do escritório Barbosa Müssnich Aragão (BMA Advogados). Os ministros têm entendido que há um interesse econômico e não jurídico por parte das consultorias e por isso não poderiam ser responsabilizadas por não preencherem os requisitos do inciso I do artigo 124 do Código Tributário Nacional (CTN).
Segundo esse dispositivo: “são solidariamente obrigadas as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal”. Nesse caso, o STJ tem entendido que o interesse comum seria o interesse jurídico.
Para o advogado Pedro Moreira, do escritório Celso Cordeiro e Marco Aurélio de Carvalho Advogados, “infelizmente, estamos vivendo um momento de intimidação fiscal, em que a Receita Federal tem abusado da aplicação do instituto da responsabilidade tributária, incluindo sócios, administradores, diretores, empresas do mesmo grupo econômico, contadores, advogados, empresas de assessoria, operadores de câmbio e outros como devedores do crédito tributário”.
A decisão do Carf, segundo Moreira, foi acertada e deve servir de paradigma para casos semelhantes pois não restou provado o “interesse comum” no planejamento tributário realizado, como já pacificou o STJ.
Para ele, “cabe ao Fisco realizar a prova cabal, pois a mera afirmação unilateral de suposta existência de interesse comum viola o direito de ampla defesa do contribuinte e gera a ilegalidade do auto de infração”.
Em decisões proferidas nos anos de 2013, 2014 e 2015, o Carf considerou que advogados e contadores também não devem ser responsabilizados solidariamente por autuações. Segundo o advogado e antigo conselheiro do Carf Fabio Pallaretti Calcini, do escritório Brasil Salomão & Matthes Advocacia, que participou do julgamento de um dos casos em 2015, a discussão agora é muito parecida.
A diferença, segundo Calcini, é que em 2015 a Receita Federal tentava responsabilizar as pessoas físicas e agora as pessoas jurídicas, no caso as consultorias. “A nova decisão também está correta do ponto de vista técnico já que não estão previstos os requisitos descritos no artigo 124 do CTN.”
O Valor não conseguiu localizar o advogado da Atende Bem para comentar a decisão.
Adriana Aguiar – De São Paulo