Deliberações Societárias em Tempos de Isolamento Social

Com a disseminação do COVID-19 (“Coronavírus”), aumenta a cada dia a preocupação e a recomendação das autoridades de saúde para mantermos uma distância segura entre as pessoas, assim como devem ser evitadas aglomerações. Ato contínuo, há um impacto imediato na vida de sociedades e associações, que normalmente dependem da realização de reuniões e assembleias para tomada de decisões (como a aprovação anual de suas contas, por exemplo).

 

É possível manter normalmente as atividades societárias, como conduzir as reuniões e assembleias e continuar evitando aglomerações e contribuindo para o esforço de contenção do vírus? Vejamos o que podemos extrair da lei, junto ao que dispõe a Medida Provisória nº 931, de 30 de março de 2020 (“MP 931/2020”), lembrando que as medidas são excepcionais e significam o reconhecimento das dificuldades práticas que as sociedades enfrentam para cumprir suas obrigações regulatórias, seja pela indisponibilidade dos profissionais e administradores da própria empresa e de terceiros envolvidos (como os auditores independentes, por exemplo), seja pela incapacidade de apurar os efeitos concretos e estimados da pandemia em seus resultados e operações:

 

Sociedades Anônimas

 

No âmbito das sociedades anônimas, há diferenças entre as normas aplicáveis a companhias abertas e fechadas. A realização de assembleias gerais a distância, com a participação e votação remota dos acionistas, passou a ser permitida nas sociedades anônimas abertas (ou seja, com suas ações disponíveis para negociação na bolsa de valores) em 2011, após alteração na Lei nº 6.404/76 (“Lei das S.A.”). Ainda, com a promulgação da MP 931/2020, foi alterado o dispositivo do Código Civil, para incluir a previsão equivalente em relação às sociedades anônimas fechadas.

Com o texto da MP, a Lei das Sociedades Anônimas é alterada para, essencialmente:

 

  • Autorizar, no exercício social que se encerre entre 31 de dezembro de 2019 e 31 de março de 2020, que as assembleias gerais ordinárias (AGO) das sociedades anônimas (incluindo companhias abertas e fechadas, empresas públicas e sociedades de economia mista e suas subsidiárias) ocorram no prazo de sete meses, contados do término do exercício social;

 

  • Prorrogar os prazos mandato dos administradores (conselhos e diretorias), dos membros do conselho fiscal e de eventuais outros comitês ficam prorrogados até a realização da assembleia geral ordinária nos termos acima, ou até que ocorra a reunião do conselho de administração (conforme o caso);

 

  • Autorizar o conselho de administração a deliberar sobre os assuntos urgentes de competência da assembleia geral (salvo vedação expressa no estatuto), tais deliberações estarão sujeitas a deliberação posterior por parte da AGO, inclusive distribuição de dividendos (em relação a essa matéria, na ausência do conselho, poderá ser realizada pela diretoria);

 

  • Autorizar a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a prorrogar os prazos estabelecidos na Lei das S.A. para companhias abertas, incluindo a data de apresentação das demonstrações financeiras, para o exercício de 2020;

 

  • Autorizar que as assembleias gerais sejam realizadas fora do endereço da sede da companhia, à distância por meios em que se possa comprovar a manifestação da vontade dos acionistas.

 

Assim, caso seja de interesse a realização de assembleias ou reuniões de administradores, temos a opção dessa ser transmitida em tempo real a todos, via uma plataforma eletrônica, por meio da qual todos poderão discutir sobre as ordens do dia, bem como transmitir suas instruções de voto. Neste caso, é recomendado que a transmissão da assembleia seja gravada, a fim de registrar as instruções de voto dadas pelos acionistas (caso isto não seja possível, é aconselhado que as instruções de voto sejam encaminhadas por escrito, via e-mail ou qualquer outro método que permita a confirmação de recebimento da mensagem). Finalizadas as discussões, os votos são proferidos e formalizados pelo presidente ou pelo secretário da mesa.

 

Por fim, sabe-se que é praxe no mercado a realização de assembleias gerais que, na prática, ocorrem apenas no papel (isto é, sem a realização de qualquer reunião), especialmente quando todos os acionistas estão de acordo com as deliberações a serem tomadas. Nesses casos, para que seja diminuído o risco de contestação da validade da assembleia, recomendamos que, antes do registro da ata na Junta Comercial competente, sejam recolhidas as assinaturas de todos os acionistas no “Livro de Atas das Assembleias Gerais” e “Livro de Presença dos Acionistas” da companhia.

 

Sociedades Limitadas

 

No âmbito das sociedades limitadas, a legislação é mais flexível no que se refere à obrigatoriedade de realização de reuniões presenciais. Neste sentido, qualquer reunião ou assembleia de sócios já poderia ser substituída por um documento escrito, desde que este seja assinado por todos os sócios, contendo as decisões tomadas por eles sobre a matéria que seria objeto da reunião. Esse mecanismo permite que os sócios discutam informalmente e, quando chegarem a um consenso, elaborem e assinem o documento que formaliza suas decisões, sem que haja necessidade de se reunirem em um mesmo ambiente.

 

Por outro lado, quando não há consenso entre os sócios (e caso um deles se recuse a assinar o instrumento de deliberação por escrito), pela MP 931/2020 a reunião ou assembleia deve ser realizada em termos similares aos descritos acima para sociedades anônimas, podendo a reunião ser transmitida por plataforma de comunicação a distância e os sócios poderão votar a distância.

 

Associações

 

As associações são reguladas por um pequeno número de artigos do Código Civil, os quais elencam os requisitos mínimos que deverão constar no estatuto social de cada instituição. Isso significa que associações gozam de grande liberdade para estruturar suas assembleias. Mesmo assim a MP 931/2020 dispõe que os associados poderão participar e votar a distância em reunião ou assembleia.

 

Considerações Finais

 

É importante tomar alguns cuidados no momento da realização de reuniões e assembleias a distância. Como tudo em matéria societária, os procedimentos adotados devem estar plenamente de acordo não só com a legislação, mas com as disposições do estatuto ou contrato social da entidade.

 

É também importante que as discussões realizadas via plataforma de comunicação a distância sejam gravadas, preferivelmente com captura de vídeo, e essencial os votos formalizados por escrito, por qualquer meio eletrônico. Todos esses cuidados são necessários para garantir a validade e efetividade da reunião, além de proteger os direitos dos sócios, acionistas e administradores, garantindo que suas intenções sejam corretamente transmitidas ao documento final.

 

Rafael Buzzo de Matos

Sócio do BMM Advocacia Personalizada

rafael.matos@bmmlaw.com.br

 

Rodrigo Rocha do Nascimento

Advogado Consultivo do BMM Advocacia Personalizada

rodrigo.rocha@bmmlaw.com.br

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