Poti, Jerimum e Clara têm ajudado a reduzir o acervo de ações judiciais do Rio Grande do Norte. O mesmo pode se dizer de Radar, que atua no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), e de Sinapse, que trabalha em Rondônia. Já Elis tem colaborado com magistrados de Pernambuco para agilizar os julgamentos de cobranças de tributos, as execuções fiscais. O servidores de nomes peculiares são robôs e sistemas de inteligência artificial em fase de teste no Judiciário.
Os exemplos espelham uma revolução que se inicia na Justiça brasileira. Sufocada por 80 milhões de processos em trâmite e um estoque que continua a crescer, a tecnologia é uma aposta para tentar reverter esse quadro.
Atualmente, há pelo menos 13 tribunais do país, dentre eles o Supremo Tribunal Federal (STF), que já utilizam algum tipo de robô para trabalhos repetitivos ou inteligência artificial para tarefas como sugestão de sentenças e indicação de jurisprudência.
No Rio Grande do Norte, uma parceria entre a Universidade Federal do Estado e o Tribunal de Justiça permitiu a criação da família Poti, também formada por Jerimun e Clara. O primeiro já trabalha a pleno vapor promovendo automaticamente a penhora on-line de valores em contas bancárias de devedores.
Com o robô, não é mais necessário que se entre no Bacen Jud (sistema eletrônico do Banco Central) e faça manualmente a busca e bloqueio de valores em contas bancárias. “Um servidor conseguia executar no máximo 300 ordens de bloqueio ao mês. Hoje o Poti leva 35 segundos para efetuar a tarefa completamente”, afirma a juíza Keity Saboya, da 6ª Vara de Execução Fiscal e Tributária da Comarca de Natal, que é professora da Universidade Federal e uma das responsáveis pelo convênio.
Segundo Keity, graças ao Poti o setor que cuidava das penhoras na comarca de Natal foi extinto. Na 6ª Vara, acrescenta, não há pedidos pendentes. O robô também atualiza o valor da ação de execução fiscal e transfere o montante bloqueado para as contas oficiais indicadas no processo.
Se não existir dinheiro em conta, Poti pode ser programado para buscar o montante por períodos consecutivos de 15, 30 ou 60 dias. “Esse processo tornou o bloqueio mais eficaz e impede que o dinheiro saia da conta”, diz o juiz Rosivaldo Toscano, do 3º Juizado da Violência Doméstica de Natal.
Os outros dois membros da família, Jerimum e Clara, estão em fase de teste e aperfeiçoamento. O primeiro classifica e rotula processos. Clara lê documentos, sugere tarefas e recomenda decisões, como a extinção de uma execução porque o tributo já foi pago. Nesse caso, vai inserir no sistema uma decisão padrão, que será ou não confirmada por um servidor.
A experiência do Rio Grande do Norte despertou o interesse do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que quer colocá-la à disposição dos demais tribunais do país. O órgão criou recentemente o Centro de Inteligência Artificial aplicada ao PJe (sistema eletrônico de processos recomendado pelo CNJ) que tem por objetivo desenvolver modelos de inteligência artificial (leia mais abaixo).
No caso de Elis, o sistema promove a triagem de processos de execução fiscal — que equivalem a 53% da ações em trâmite em Pernambuco. Segundo o magistrado e integrante do Comitê de Inteligência Artificial do TJ-PE, José Faustino, hoje há um travamento no andamento dessas ações pela escassez de mão de obra. Em razão desse quadro, e por inspiração em um robô já usado pela Procuradoria do Município de Recife, foi criado no ano passado um comitê interno de inteligência artificial. Dois meses depois, Elis estava criada.
Na prática, o robô analisa a Certidão de Dívida Ativa (CDA), confere os dados, verifica a existência de prescrição e a competência. “Com o uso de metodologia de inteligência artificial ensinamos à Elis o que era importante em uma CDA. Foi um aprendizado supervisionado”, diz Faustino.
O magistrado afirma que a triagem manual — desde a checagem de dados até o despacho do juiz — de 70 mil processos leva em média 18 meses. Com Elis, 80 mil processos passaram por esse procedimento em apenas 15 dias. De acordo com ele, o número de execuções fiscais em trâmite no Estado é de 1 milhão — 450 mil na Vara da Capital, responsável pelas ações de cobrança dos municípios.